A voz da menina parte II

Para quem quizer ouvir um pouco da voz que traduz aquela voz que canta pra eu dormir

A voz da menina


Quando a insônia me acorda e alguns pensamentos insistem em me atordoar, eu ouço uma voz suave que canta pra mim.

Onde está a voz do menina?
Onde vai a luz da verdade?
Onde foi parar o destino?
Onde foi parar?

Foi pras bandas do nevoeiro.
Foi perdendo o jeito faceiro.
Foi ganhando as rugas do tempo.
Onde foi parar?

Vai menina, conta os teus sonhos pra mim.
Minha menina, pode dormir que eu serei
Teu aconchego, teu porto
Teu companheiro teu mastro
Teu rumo na escuridão
Aquela estrela ao alcance da mão.


Então eu adormeço, Ele vela por mim.

Sobre shampoos, piolhos e cabelos



Maldito espelho! Por que ele teima em refletir a imagem dos opacos, quebradiços e volumosos cabelos? Sim, eu odeio meus cabelos, eles eram melhores antes da puberdade.

Já dizia sabiamente Casimiro de Abreu : Oh! Que saudades que tenho da aurora da minha vida, da infância querida que os anos não trazem mais” .

Álbuns familiares recordam uma parte remota de mim que sempre ressoa em alto e bom som “Ah como eu era feliz e não sabia”. Os cabelos curtos (lisos, brilhosos, sem volume e sem pontas duplas) da menina do interior revelavam a leveza e a ousadia de não se esperar nada do futuro. Naquela época, os piolhos eram os melhores amigos da minha mente.

A euforizante sensação de cócegas no couro cabeludo era revitalizante, o único empecilho para a continuação desta mágica experiência era o Deltacide, assassino dos pobres e indefesos animaizinhos capilares.

Com a evolução temporal, meus cabelos se expandiram, troquei o Deltacid (e os piolhos) por uma infinidade irrestrita de cosméticos que prometem milagrosamente o fim da rebeldia dos meus fios.

O que outrora dividia-se em shampoos para cabelos normais, secos e oleosos, cresceu monstruosamente à esfera de prateleiras de cosméticos destinados a todos os tipos existentes (ou não) de madeixas.

Meus cabelos cresceram, troquei a afável companhia dos piolhos pela de um teclado de computador que talvez definirá de forma trágica meu futuro.

Já chega, vou ali pegar uns piolhos e comprar um Deltacid.

Eu matei Eloá Pimentel


Quando assistimos nas telas circenses da TV o drama da menina Eloá, automaticamente precisamos encontrar culpados para a catástrofe humana em Santo André.
Quem é o culpado pela vida ceifada tão precocemente?
A polícia pela lentidão?
A mídia pela superexploração da agonia?
Lindemberg Alves pelo desequilíbrio emocional?
Nayara por seus óculos escuros?
A família pela omissão?
Sim, todos eles têm suas parcelas no homicídio de Eloá, porém, ao mesmo tempo nenhum deles é o fator fundamental na tragédia do conjunto habitacional Santo André.
É necessário que ocorram barbáries como estas para que se repense a condição social do Brasil.
Eloá teve seu cárcere privado durante cem agonizantes horas, porém, sua condição é comum a milhares de outros jovens, que se encontram trancafiados; não em cárceres materiais, mas, prisões internas.
Não entendeu? Eu explico.
Atualmente, nós (eu me incluo também) jovens temos diariamente nossa subjetividade seqüestrada e trancafiada em cárceres privados, que sequer conhecemos ou sonhamos outrora estar neles.
Se você ouve MPB, riem da sua cara, música boa é “pancadão” e “Jorge e Mateus”. Se não assiste o Pânico, meu Deus você não sabe nada do melhor da cultura televisiva. Se aos quinze anos nunca beijou na boca, você definitivamente não é pertence a este mundo.
Convencem-nos a perdermos nossa subjetividade, nossas verdades pessoais, nossos detalhes, aqueles que fazem da nossa vida nossa e de mais ninguém.
Todos usam a mesma marca de tênis, de blusa, sapato bolsa, namorado, sonho, profissão. Tudo se torna uma grande dança do Siri.
Eloá era uma criança ao começar o relacionamento com Lindemberg. Sua subjetividade de menina foi seqüestrada e jogada ao cárcere de uma responsabilidade que não lhe pertencia. Aos doze anos é típico da criançada (ou como eles gostam de serem chamados: adolescentes) gastar as energias em atividades físicas, peraltices, escola, amigos, descobertas, ídolos e família.
Nem tudo é tão normal como parece. Eloá foi assassinada diariamente, ao longo destes mil e noventa e cinco dias de relacionamento. Nesta ultima semana Lindemberg, simplesmente tirou a vida material que restava a menina que fora impedida de viver por todos nós, cúmplices dessa anormalidade tão normal, que ousamos a simplesmente sentar e assistir as minúcias de um homicídio que nós mesmos praticamos e ruidosamente procuramos um culpado.
A culpada sou eu. Eu matei Eloá.



Um pouco de mim


Eu sou aquela mulher a quem o tempo muito ensinou.
Ensinou a amar a vidae não desistir da luta,recomeçar na derrota,renunciar a palavras e pensamentos negativos.
Acreditar nos valores humanose ser otimista.
Creio na força imanente que vai gerando a família humana.
Numa corrente luminosa de fraternidade universal.
Creio na solidariedade humana, na superação dos erros e angústias do presente.
Aprendi que mais vale lutar do que recolher tudo fácil.
Antes acreditar do que duvidar.
(Cora Coralina)
Sou assim, um misto da mulher que cresceu e da menina que sonha acordada com o brilho das estrelas.
Não faço muitos planos, meus passos são guiados dia a dia por alguém que vela por mim.
O Acaso me proteje sempre, pois ando muito distraída...