Direitos Humanos exigem solidez




Faz 60 anos amanhã que as Nações Unidas adotaram a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a primeira proclamação internacional da dignidade e direitos iguais inatos de todas as pessoas.

Até hoje, a Declaração Universal continua sendo o mais importante ponto de referência individual para discussão de valores éticos, que atravessa todas as linhas divisórias nacionais, ideológicas e éticas.

A visão esclarecida da Declaração, de liberdade individual, proteção social, oportunidade econômica e deveres com a comunidade, porém, ainda não foi realizada. Tragicamente, genocídios estão acontecendo novamente, desta vez no Sudão.

Uma agenda de segurança, realçada a partir dos atentados aos EUA, em 2001, incluiu tentativas de legitimar o uso da "extradição extraordinária" (o movimento de prisioneiros e suspeitos entre países sem o processo jurídico de praxe) e a tortura.
Para mulheres ao redor do mundo, a violência doméstica e a discriminação no local de trabalho são uma realidade diária.
Minorias sofrem estigmas, discriminação e violência em países desenvolvidos e em desenvolvimento.

O direito à informação é negado a milhões por meio da censura e intimidação dos meios de comunicação.

A pobreza é nossa maior vergonha. Pelo menos um bilhão de pessoas muito pobres, 20% da humanidade, têm negados diariamente os direitos básicos a alimentos adequados e água limpa.
Enquanto persistirem flagrantes desigualdades entre ricos e pobres não poderemos alegar que estamos fazendo progresso adequado no cumprimento das ambições estabelecidas há 60 anos.
No momento em que registramos este aniversário, a questão é como proteger a dignidade e os direitos humanos inatos de todas as pessoas. Uma parte fundamental da resposta está nos sistemas mais eficazes de prestação de contas, de forma que os direitos sejam reconhecidos e as leis, cumpridas.
Se lançarmos, porém, um olhar rigoroso ao que já foi alcançado ao longo das seis décadas passadas e ao que continua resistindo a todas as nossas tentativas fica claro também que isso não será o bastante.

Os mais graves desafios, de discriminação, opressão, injustiça, ignorância, exploração e pobreza, não podem ser abordados apenas por meio da lei e da polícia.

Se quisermos que as reformas sejam sustentadas e se quisermos assegurar que elas verdadeiramente protejam os direitos humanos, necessitamos de instituições de governo eficazes. Instituições precariamente equipadas ou corruptas representam um obstáculo básico para a efetiva proteção e promoção dos direitos humanos.

Nos anos recentes, bilhões de dólares têm sido investidos por governos, empresas e instituições filantrópicas privadas no combate à pobreza nos países pobres. Milhões de pessoas se beneficiaram.

Os países envolvidos, porém, reconheceram publicamente que, sem capacidade institucional muito melhorada - por exemplo, sistemas de saúde nacionais e locais competentes e bem dotados de recursos - o progresso adicional será limitado.
Igualmente, bilhões de pessoas hoje não conseguem ter acesso aos seus direitos legais ou a protegê-los porque os sistemas responsáveis pelo cumprimento das leis e da ordem jurídica estão exauridos ou carecem de integridade.

Mudar isso exigirá investimento em larga escala em tribunais, autoridades judiciais, polícia, sistemas prisionais, ministérios sociais e parlamentos, assim como em instituições nacionais de direitos humanos e outros órgãos oficiais de monitoramento.

Nada neste aniversário é mais importante do que instar nossos líderes a reconhecer a dimensão da tarefa e se comprometer com uma ação sustentada para criar capacidades institucionais que visem proteger os direitos humanos, começando nos seus próprios países.

No momento em que os líderes mundiais se apressam para tratar da crise econômica global atual, pode parecer irreal reivindicar investimentos de vulto e de longo prazo deste tipo. Apesar de a estabilização do sistema financeiro internacional ser importante, porém, ela não solucionará os desafios mais amplos de governança.

Os direitos humanos não podem ser consumados na ausência de instituições eficazes. Onde tribunais e polícia são corruptos, sobrecarregados e ineficientes, os direitos civis básicos serão violados.

Onde ministérios da área social são mal equipados, sem poderes, ou carecem de pessoal qualificado, os direitos básicos para a obtenção de cuidados médicos, educação e habitação adequados continuarão sendo descumpridos.

Mesmo o país mais rico do mundo, os Estados Unidos, luta para implantar as muito necessárias reformas para parte das suas instituições mais importantes - incluindo os seus sistemas de educação e saúde. Pense o quanto esse desafio é mais difícil para os países em desenvolvimento. Obter progresso é um grande teste de maturidade política.

Ele é essencial, contudo, se quisermos transformar os direitos numa realidade para todos. Ao longo do ano passado, na condição de membros do "The Elders" - um grupo de líderes formado sob a inspiração de Nelson Mandela - estivemos trabalhando com uma grande variedade de organizações parceiras para transmitir uma mensagem de direitos humanos ao mundo por meio do "Every Human Has Rights Campaign" (Campanha Todos os Humanos Têm Direitos).

Graças a esse esforço coletivo, dezenas de milhares de pessoas, e milhões mais através de escolas, grupos comunitários, sindicatos de trabalhadores e organizações da sociedade civil, voltaram a se identificar, ou se identificaram pela primeira vez, com as metas da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Este é o motivo para ter esperança.

Dispomos de melhores ferramentas para comunicar e exigir justiça na comparação com qualquer geração antes de nós.

Temos metas globais e destinos em comum que nos vinculam.

Agora precisamos de liderança, recursos, uma maior sensação de urgência e um compromisso com os esforços de longo prazo que devem ser dedicados para assegurar que os direitos consagrados na Declaração Universal sejam não só reconhecidos universalmente, mas também respeitados.


Por Mary Robinson e Desmond Tutu


Mary Robinson foi presidente da Irlanda e Alta Comissária das Nações Unidas para Direitos Humanos. Desmond Tutu é arcebispo emérito da Cidade do Cabo e Prêmio Nobel da Paz. Ambos são membros do "The Elders", www.theElders.org. Artigo publicado no “Valor Econômico”:

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